Respeito e Educação
Tinha 4 anos de idade quando me enviaram ao Jardim de Infância (hoje inicia-se
mais cedo nesse ofício!), para a minha
boa alfabetização. Como todos, ou
melhor, como a maioria, chorei muito no primeiro dia, depois acostumei.
O Externato era dirigido por uma figura memorável. D. Carla era
uma senhora muito grande (para nós, então pobres crianças, ela era
enorme!), guardando uma excêntrica proporcionalidade entre gordura e
altura. Seus cabelos eram angelicalmente
loiros e encaracolados. Usava óculos, que
tinham lentes tipo fundo de garrafa, com armação de tartaruga (ainda existe
isso?).
O Externato era em Copacabana; e a proximidade com a praia
não parecia animar D. Carla a mudar a coloração de sua pele extremamente clara!
Nos era muito doce, mesmo assim, quando ela estava por
perto, tínhamos um comportamento de causar inveja ao mais rigoroso dos
comandantes de exército(naquela época, mais que nunca!). É que, ao mesmo tempo que seus atos nos
diziam dedicação e amor à função de educadora, sua aparência, acompanhada
daqueles óculos, nos diziam: “Ordinário, sentido!” “Ordinário, Marche!”.
O mais curioso a respeito de D. Carla, não era sua aparência
ou sua repulsa a praia, mas sim o que diziam às línguas, não sei se más ou se
boas! Dizia-se muito que ela tinha
ganhado o colégio ou, pelo menos, sua administração de seu famoso companheiro,
conhecido jornalista, depois Deputado Federal pelo Rio e hoje, finalmente,
defunto!
Seu concubinato era um fato que, para a época, deveria ser
considerado, e era mesmo tendo em vista o nome do falecido, um escândalo!
Mesmo com escândalo e tudo (pelo menos do que tenho
notícia), nunca, em momento algum, nós, ou nossas mães, ou nossos pais
machistas, faltamos com o respeito que
deveria ser dispensado à D. Carla!
Numa manhã chuvosa (quando Cavalo de Aço, ou seria
Escalada, bem, não importa, o que importa é que Tarcísio Meira era o galã mais
galã das Telenovelas brasileiras e os respectivos roteiros, coloriam o P&B
das tevês com beijos longos e apaixonados), surgiu-me, como a serpente surgiu à
Eva (guardadas as devidas proporções!), o desejo do curioso: nos corredores do
Externato, ao passar por Cleisse, coleguinha de turma, precipitada e
inadvertidamente, lasquei aquele ósculo na pobre menina que, da pele bem morena
que tinha, foi ao branco. Eu, na minha
inocência pueril, perguntei: - “Gostou?”
Em resposta, tomei um sonoro tapa dela (depois nos tornamos grandes amigos e
sem namorar! Assim ficamos até a época da faculdade, quando então, perdemos
totalmente o contato) e D. Carla, que vinha passando naquele inoportuno
momento, paradoxalmente, me catou pela orelha esquerda e, carinhosamente, me
levou ao seu gabinete!
Aprendi, ouvindo o “sabão” de D. Carla, que beijo roubado
não é pecado, nem é ruim, mas que há momento e lugar para tudo na vida. Só faltou ela me dizer que, no caso do beijo
roubado, também é necessário o “clima”.
Bem, ela não diria: “clima”; se dissesse algo seria: “atmosfera”.
Duro mesmo foi enfrentar D. Amália e S. Raimundo, horas
depois, em casa!
Além do momento certo, para o total sucesso de um roubo de
beijo, foi através de D. Carla que aprendi a levantar-me, em sinal de respeito
e cumprimento, sempre que o professor entrava na sala de aula. E até hoje me
levanto, para quem quer que seja, quando estou sentado e alguém vem até mim! D.
Carla também me ensinou a usar os
tratamentos Senhor e Senhora, ao me dirigir às gentes estranhas!
Não considero que tal aprendizado, por si só, tenha
importância absoluta na minha vida, mas na verdade esses rituais, sem
saudosismo, eram a face de uma educação mais crível, de maior conteúdo e de
mais respeito!
Talvez, sem nos darmos conta, primeiro com a “tia” e
depois com o “tio”(machistas que somos, primeiro testamos nossa falta de
respeito com a mulher e, alguns anos mais tarde, aplicamos aos homens), banalizamos nossa
educação e abrimos mão do respeito e da disciplina que não deveria ter saído
dos bancos escolares.
Nossas crianças, não parecem mais cultas que nós éramos,
apesar de possuírem mais recursos para saberem mais a respeito do mundo em seu
redor.
Nossos jovens adolescentes, mais sem limites que as
crianças, quando não estão em atividade ilícita, andam pela frente dos
computadores e sabem tudo sobre a internet, mas será que argüidos de supetão saberiam
dizer quem foi Eça de Queiroz? E o que ele representa? Ou vão precisar antes
dar uma “surfada” na web?
É bem verdade que “navegar é preciso”, mas não era bem
isso que Pessoa queria dizer!